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"Setor da construção irá continuar a ser um baluarte para enfrentarmos a crise económica"

Entrevista com Luís Goucha, Presidente da APFAC

Entrevista: Ana Clara | Jornalista e Diretora05/02/2021

Luís Goucha, Presidente da Associação Portuguesa dos Fabricantes de Argamassas e ETICS (APFAC), faz uma radiografia do setor e analisa o mercado num momento particularmente difícil da economia portuguesa. Porém, olha com otimismo para 2021 e considera que a Construção é um dos setores mais resilientes. Os materiais e a industrialização dos produtos foram, entre outros, alguns dos temas abordados nesta entrevista.

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Há quanto tempo está à frente dos destinos da associação e que objetivos tem para o atual mandato?

Sou presidente da Direção da APFAC desde 2017, tendo sido reconduzido em 2020 por mais um mandato de três anos. A estratégia passa, acima de tudo, por consolidar projetos que temos vindo a desenvolver no âmbito daqueles que são os três principais eixos de atuação da APFAC: argamassas de estaleiro versus argamassas fabris, sistema de colagem (adesivos e cimentos-cola) e isolamento térmico com o sistema ETICS. Subjacente a esta estratégia está todo um trabalho de parcerias que temos vindo a estabelecer com várias entidades e que pretendemos aprofundar, gerando conhecimento e outras mais-valias para a nossa atividade e para o setor da construção em geral.

Fale-me um pouco da APFAC e da sua atividade no setor da construção?

A APFAC, associação que representa o setor das argamassas e ETICS em Portugal, tem tido uma atuação desde o seu início que se pauta pela procura constante que as normas em vigor sejam respeitadas por todos e pela melhoria contínua dos produtos e soluções que são comercializados em Portugal. É também nosso objetivo que este setor seja um motor na sustentabilidade da construção em geral, garantindo, como dizia, que a qualidade dos produtos, além de respeitarem as normas, garantam a segurança e conforto dos utilizadores finais dos edifícios. Para isso, temos também trabalhado de forma a melhorarmos a aplicação destes produtos/soluções em obra, desenvolvendo parcerias com diferentes entidades do setor, associações congéneres, laboratórios de investigação e desenvolvimento de materiais de construção e instituições de ensino de engenharia e arquitetura, de norte a sul do país. Estas parcerias têm resultado em ações de formação, palestras, conferências e seminários, sempre com o foco de desenvolver e divulgar as melhores práticas quer ao nível da elaboração de projetos de construção, quer do ponto de vista da aplicação prática dos produtos e sistemas, de forma a promover a tão necessária melhoria contínua que se pretende para o setor.

Cumulativamente, a APFAC tem desenvolvido autonomamente, materiais informativos com conteúdos eminentemente técnicos sobre argamassas e ETICS que promove e divulga nos seus meios digitais. Destacam-se os boletins APFAC INFORMA, a prescrição do sistema 'cimento cola-cerâmica', o Manual ETICS, os pormenores construtivos ETICS e o Vídeo Tutorial de Aplicação de ETICS, disponíveis em www.apfac.pt.

Ainda no eixo da comunicação e produção de conteúdos, de forma a ampliar a divulgação de todas estas ações e iniciativas, bem como sensibilizar o mercado para temas relacionados com boas práticas e outros que marcam a atualidade do setor, a APFAC tem intensificado a comunicação junto dos meios através da difusão regular de press releases.

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Como foi o ano de 2020 para o setor no contexto pandémico que o país atravessou e que ainda vive?

O ano 2020 foi um ano histórico com toda a certeza. A forma como fomos surpreendidos por uma pandemia de dimensão planetária, irá, sem dúvida, perdurar nas nossas memórias.

Este facto obrigou-nos a todos a uma rápida adaptação a uma realidade, em muitos aspetos desconhecida para todos nós. Conseguimos criar planos de contingência e implementar medidas de proteção para todas as nossas pessoas e, consequentemente, para todos os nossos negócios.

Mas a verdade é que o setor da construção nunca parou e apresentou, inclusivamente, um crescimento, o que é muito positivo neste contexto de Covid-19.

Luís Goucha.

Quais as perspetivas para 2021 e de que forma a associação tem apoiado as empresas e os seus associados?

Mesmo tendo em conta o tempo atípico que vivemos, as nossas perspetivas para 2021 são positivas. Em primeiro lugar porque acreditamos que o setor da construção irá continuar a ser um baluarte para enfrentarmos a crise económica; em segundo lugar porque sentimos que o nosso setor, em concreto, tem muito a contribuir para a melhoria contínua dos processos construtivos.

Sabemos que ainda existem muitas argamassas produzidas em obra sem qualquer controlo. Por isso, o trabalho de sensibilização dos demais atores da construção para a necessidade de mudar esta realidade, desde os projetistas, instaladores de produtos e sistemas, passando pelos donos de obra, fiscalizações e construtores, vai permanecer na ordem do dia. A atividade da APFAC é desenvolvida pelos próprios associados que, em fóruns próprios, debatem, geram e levam a cabo as iniciativas de grupo, com vista ao bem comum e, por consequência, do setor. Assim, os associados conhecem e debatem as normas aplicáveis e as suas alterações, fazendo-se representar nas Comissões Técnicas sobre os temas mais relevantes para a nossa atividade, debatem entre si as melhores práticas do setor, participam ativamente em estudos de mercado e mantêm-se atualizados quanto às evoluções do mesmo.

Como avalia atualmente a qualidade dos produtos de construção no mercado português?

Penso que têm melhorado nos últimos anos. As soluções que existem no mercado são, tecnicamente, cada vez mais complexas e, paralelamente, assistimos a um número crescente de iniciativas, especialmente por parte dos fabricantes, de ações de divulgação e formação técnica. Por outro lado, a mão-de-mão tende para uma maior especialização dos recursos humanos, sendo que as empresas desta área sentem a necessidade de incrementar os seus conhecimentos e dotar os seus colaboradores de maior capacidade de adaptação aos novos produtos e soluções. Este é um movimento que se sente e é muito positivo. Um bom indicador de que a qualidade dos produtos aplicados é uma realidade que se tem vindo a impor.

Sustentabilidade e ecoprodutos

A sustentabilidade e os chamados ‘ecoprodutos’ são cada vez mais um conceito que as empresas têm em conta. Essa é já uma realidade transversal ao setor ou ainda há arestas a limar?

Sendo cada vez mais uma realidade no nosso dia-a-dia, ainda existe algum desconhecimento nesta área. Um ecoproduto não o é só porque alguém o afirma. É, pois, fundamental que sejamos objetivos na forma como esta avaliação e reconhecimento são feitos e nesses aspetos ainda temos muitas 'arestas a limar'. A APFAC, enquanto associação, irá também contribuir para que no mercado este aspeto seja clarificado. A nossa missão passa por garantir que existam condições bem conhecidas e equitativas para todos os intervenientes.

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Qual a importância das argamassas e dos ETICS no contexto da Construção nos tempos que correm?

A industrialização dos produtos de construção é um passo fundamental neste processo de incremento de qualidade do edificado. A reprodutibilidade e rastreabilidade dos materiais produzidos à luz de normas específicas, e o suporte técnico para a sua utilização, têm demonstrado ao longo do tempo que, quanto mais rapidamente caminharmos para uma substituição das argamassas produzidas em obra por argamassas industrializadas, a melhoria dos processos construtivos e a qualidade associada são inequívocas. A realidade de hoje em dia já demonstrou que os ETICS e outras argamassas de cariz mais técnico, impossíveis de produzir em ambiente de estaleiro, contribuem decisivamente para o sucesso das aplicações. Falta que os utilizadores apreendam que esta realidade se estende a todas as argamassas utilizadas em obra, para qualquer tipo de aplicação.

"A realidade de hoje em dia já demonstrou que os ETICS e outras argamassas de cariz mais técnico, impossíveis de produzir em ambiente de estaleiro, contribuem decisivamente para o sucesso das aplicações"

Quanto ao cimento-cola, que considerações são importantes realçar, tendo em conta que ainda continuamos a ver notícias sobre desprendimentos e descolamentos de fachadas cerâmicas de prédios.

Como referi anteriormente, a evolução tecnológica dos materiais e o cumprimento de normas de produto por parte dos fabricantes, não bastam para garantir o sucesso das aplicações. Apesar das melhorias que se têm sentido, é fundamental o conhecimento profundo e atualizado por parte dos instaladores, não apenas sob o ponto de vista das técnicas de execução propriamente ditas, mas também sobre a adequação dos materiais a cada utilização específica. As normas, em grande parte dos casos, não se dirigem apenas aos fabricantes de materiais, mas a todos os atores da construção. E, no caso concreto dos cimentos-cola, a seleção inadequada do produto para uma determinada colagem, pode tornar-se fatal. Note-se que, quando falamos de cerâmicos colados numa parede ou pavimento, estamos a falar de um sistema de revestimento que nunca é fornecido por uma mesma entidade produtora. Por isso, o trabalho que a APFAC tem desenvolvido em parceria com a APICER, sua congénere na área dos cerâmicos, é tão relevante para que a mensagem passe para o mercado de uma forma uniformizada e coordenada. Com esta parceria pretendemos desenvolver materiais de comunicação nesta matéria e levar a cabo ações de formação conjuntas de forma a chegar a todos os públicos alvo, prescritores, revendedores de materiais de construção, instaladores, etc.

Em matéria de isolamentos e produtos térmicos aplicados, qual é o panorama?

Nesta área houve, efetivamente, uma enorme evolução. A regulamentação que entrou em vigor há mais de uma década, que obriga as construções a cumprirem requisitos mínimos de eficiência térmica, tem vindo a ser revista, sempre com tendência para apertar as exigências de desempenho. Tal facto tem um impacto direto na procura destas soluções e, consequentemente, na evolução do mercado em termos da variedade da oferta disponível. A nossa preocupação constante é que, quer ao nível dos produtos, mas acima de tudo ao nível da aplicação, a qualidade não se deteriore. Ou seja, pretende-se evitar um processo de criação de uma imagem menos positiva das soluções. Por essa razão, mantemo-nos atentos à realidade e ativos na promoção das boas práticas.

Que radiografia faz atualmente do setor da Construção em Portugal na última década? Que desafios ainda temos e que constrangimentos ainda há a superar?

Em geral, tem sido verificada uma evolução muito positiva neste setor. Como referido anteriormente, o mercado é mais ativo na procura de informação e formação, em todas as etapas do processo construtivo. Começando mesmo pelo ensino, sente-se que as escolas de engenharia e arquitetura iniciam mais cedo um processo de integração dos formandos com a realidade, levando-os a interagir com as empresas e, desta forma, preparando-os melhor para a sua entrada no mercado de trabalho. As áreas de projeto, tanto na arquitetura como na engenharia, procuram estar em contacto mais próximo com a indústria dos materiais para que os projetos sejam mais evoluídos e detalhados em termos de conteúdo técnico, elevando assim a sua qualidade. As entidades executantes percebem cada vez melhor que a utilização exclusiva do critério preço numa fase de orçamentação, pode ter reflexos muito negativos a curto prazo, aumentando muito os custos de manutenção e reparação.

Por outro lado, nesta era da comunicação digital, os utilizadores finais dos edifícios têm cada vez mais informação facilmente disponível. Todavia, consideramos necessário que o público em geral ganhe maior poder crítico, que conduzirá a uma exigência maior e a escolhas mais informadas na hora de transacionar imóveis.

"É fundamental o conhecimento profundo e atualizado por parte dos instaladores, não apenas sob o ponto de vista das técnicas de execução propriamente ditas, mas também sobre a adequação dos materiais a cada utilização específica"

Por fim, que mensagem gostava de deixar ao setor nestes tempos desafiantes que vivemos?

Conseguimos, como já referi, uma extraordinária adaptação a um processo desconhecido e essa foi uma prova que este setor é uma parte ativa da nossa economia e da nossa sociedade. Sabemos, contudo, que o que fizemos no passado não nos resolve necessariamente os desafios que temos pela frente, por isso, realço a importância de nos continuarmos a superar e de enfrentarmos o futuro de uma forma proativa e em plena colaboração de forma a continuarmos a crescer e efetivamente contribuirmos para uma construção que permita aos seus utilizadores uma vivência mais segura, confortável e sustentável.
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