Entrevista com Nelson Lage, Presidente da ADENE
Para Nelson Lage, Presidente da ADENE, os resultados obtidos pelo nosso País mostram os esforços realizados no desenvolvimento digital da sociedade e da economia nacional. O futuro está nas energias renováveis, na mobilidade elétrica, na descarbonização dos transportes e da indústria, assim como na eficiência energética dos edifícios e numa economia circular. Mas ainda há (muitos) desafios a vencer.
Nelson Lage, Presidente da ADENE
Pensar em sustentabilidade verde é, obrigatoriamente, pensar na descarbonização do País. Dos transportes públicos e da indústria, principais consumidores, mas não só. O mais fácil (e mais rápido), reconhece Nelson Lage, Presidente da ADENE, é começar pelo edificado, mesmo porque a maioria dos edifícios existentes em Portugal são anteriores às exigências da eficiência energética. Mas só isso não basta. Há que potenciar a utilização dos transportes públicos em detrimento da viatura própria e apostar no armazenamento de energia elétrica, de forma concentrada ou distribuída, junto dos produtores/consumidores.
Para cumprir os objetivos do Green Deal de diminuir as emissões de Gases com Efeito de Estufa em, pelo menos, 55% até 2030 e alcançar a neutralidade carbónica até 2050, a dupla transição verde e digital exige que o sistema de energia seja mais eficiente, inteligente e integrado, garantindo preços de energia acessíveis e uma transição justa e coesa. A transição verde e digital deve beneficiar todos, centrando as pessoas na formulação das políticas públicas e garantindo que desempenham um papel ativo nos mercados de energia. A digitalização de cada etapa da cadeia do sistema de energia é fundamental para cumprir este desígnio.
O último relatório do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade (IDES), da Comissão Europeia, confirma que todos os Estados-membros da UE realizaram progressos no domínio da digitalização, mas alerta que o panorama nos Estados-membros é heterogéneo e que estes terão de forma concertada, de se esforçarem para alcançar as metas para 2030 da Década Digital da Europa.
Portugal destaca-se pela positiva, com uma subida de três lugares relativamente aos resultados do relatório de 2020, ocupando agora o 16º lugar entre os 27 Estados-membros da UE, o que mostra os esforços realizados no desenvolvimento digital da sociedade e da economia nacional.
É de notar que os dados do IDES 2021 ainda não refletem os efeitos da Covid-19 sobre a utilização e a prestação de serviços digitais e os resultados das políticas desde então aplicadas, pelo que se espera que os resultados do IDES 2022 sejam globalmente melhores.
Os principais desafios à descarbonização da economia centram-se nos transportes e indústria, dado que são dois setores muito dependentes de combustíveis fósseis. No setor dos transportes, será necessária uma alteração profunda de um parque automóvel velho. Já no setor da indústria, ainda é precoce uma descarbonização total dos consumos, dada a necessidade de tecnologias disruptivas para a sua eletrificação.
No entanto, podemos e devemos olhar para o setor dos edifícios, como um setor prioritário, dado que a sua eletrificação é possível, e onde Portugal tem um parque edificado envelhecido e não reabilitado, responsável por cerca de 32% da energia consumida em 2020.
Para potenciar a descarbonização da economia portuguesa, e cumprir as metas de neutralidade carbónica, é necessário reforçar a eficiência energética em todos os setores, em especial no parque edificado, dando primazia à renovação profunda de edifícios públicos e residenciais. Esta aposta vai ajudar os consumidores vulneráveis, reduzindo os níveis de pobreza energética no nosso País.
A descarbonização do setor dos transportes, através da promoção do uso da ferrovia (pessoas e bens), da eletrificação, do uso de biocombustíveis sustentáveis e hidrogénio verde, bem como da redução do uso de veículos particulares, é outro dos desafios que se colocam nos próximos anos.
Portugal necessita ainda de uma maior flexibilidade do sistema elétrico, incluindo a implementação de redes inteligentes, enquanto deve incentivar a concorrência do mercado de eletricidade, removendo barreiras à entrada de novos intervenientes, facilitando a inovação e garantindo a integridade e segurança do mercado.
Entendo que será ainda necessário acelerar a reforma fiscal verde, de modo a alinhar os impostos sobre a energia com os objetivos da descarbonização e garantir, assim, que o imposto sobre o carbono impulsiona as reduções de emissões em todos os setores.
A ADENE está fortemente empenhada na descarbonização e apresenta-se como um agente agregador e catalisador da mudança para um sistema energético em que os consumidores informados e capacitados, devem ser agentes ativos no mercado. A ADENE destaca-se no apoio e na operacionalização de iniciativas como a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação do Edificado (ELPRE) e o Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP), enquanto dá apoio técnico à operacionalização de instrumentos de financiamento, nomeadamente, o Fundo Ambiental.
“Para potenciar a descarbonização da economia portuguesa, e cumprir as metas de neutralidade carbónica, é necessário reforçar a eficiência energética em todos os setores, em especial no parque edificado”
O futuro de um planeta sustentável passa pela incorporação dos princípios de circularidade nas nossas atividades económicas e pela dinamização da atividade humana minimizando a exploração dos recursos naturais. Portugal está na linha da frente da aplicação do Plano de Ação Europeu para a Economia Circular, com um plano nacional que está agora a ser atualizado para um novo ciclo.
Neste âmbito, importa assinalar que a ADENE está a desenvolver e irá lançar, ainda este ano, um sistema de classificação do desempenho em economia circular para ajudar as empresas a planear o seu progresso na adaptação a estes princípios, já apresentado à tutela. Queremos com isso dar maior visibilidade ao conceito e dotar as organizações de métricas que as estimulem a avançar cada vez mais e de forma mais rápida neste caminho para a sustentabilidade.
Neste contexto, e tendo por base a nossa experiência, importa deixar claro que a economia circular não será a solução para a existência de menos resíduos. A abordagem é outra. É que a prevenção da produção de resíduos é parte integrante da economia circular. Não são temas dissociados - estão intrinsecamente ligados. Economia circular: menos resíduos; menos poluição; menos exploração de recursos naturais; mais cuidado com o Planeta!
A mobilidade elétrica é determinante para a sustentabilidade, mas traz grandes desafios, tanto ao nível da infraestrutura, como ao nível das matérias-primas necessárias para o seu fabrico. Mas estes riscos estão identificados e soluções para os mitigar são trabalhadas a vários níveis, desde o aumento do tempo de vida das baterias ao aumento da quantidade de energia que uma bateria pode armazenar, mas também soluções de carregamento inteligente, que permitem maximizar a eficiência da infraestrutura existente, minimizando os investimentos no reforço da mesma, que apesar de tudo, terão de acontecer pontualmente.
O aumento do número de viaturas totalmente elétricas, que já representam cerca de 10% do total de vendas, mostra a confiança na infraestrutura existente, colocando Portugal na linha da frente desta mudança.
Penso que arrancamos assim no bom caminho para cumprir as metas definidas no PNEC 2030 para a mobilidade, com a redução de 40% das emissões, em relação a 2005, e a incorporação de 20% de energias renováveis nos consumos de energia neste setor.
Essa eliminação definitiva vai acontecer ao longo das próximas décadas, por via da eletrificação de setores como o residencial, industrial e também na mobilidade. Importa realçar que esta mudança traz, naturalmente, uma exigência crescente ao sistema eletroprodutor, daí que a eficiência energética seja um elemento-chave da transição energética para carbono zero.
É por isso que, para a mobilidade de pessoas, ouvimos falar cada vez mais na importância dos transportes públicos e da mobilidade leve. A redução de emissões entre viajar em viatura própria e comboio é de 86%, a que acrescem outras vantagens no caso da mobilidade de bens. Temos também a multimodalidade e o transporte pesado, onde há muito trabalho a ser feito: dados do Eurostat mostram que 20% dos quilómetros percorridos por camiões na europa são feitos em vazio, com Portugal em linha com a média europeia.
A pensar na maior eficiência energética no setor dos transportes, a ADENE reformulou recentemente a iniciativa MOVE+ para as empresas que pretendam tornar a sua frota automóvel de ligeiros e/ou pesados mais eficientes do ponto de vista do consumo de energia, recolhendo daí os benefícios económicos e ambientais.
Adicionalmente, e salvo melhor opinião, o armazenamento de energia elétrica, de forma concentrada ou distribuída, junto dos produtores/consumidores, os “prosumers”, terá um papel decisivo na eliminação definitiva de energia produzida através de materiais fósseis.
Não existe uma solução única para o desafio dos carregamentos. Quem vive nos grandes centros vai poder carregar as suas viaturas nos seus locais de trabalho, nos supermercados, nos centros comerciais, na rede pública, ou noutros postos existentes.
Há já em curso novos modelos de negócio a tentar explorar estas oportunidades e será interessante acompanhar quais vão vingar. A própria legislação do desempenho energético dos edifícios, recentemente atualizada, já introduz a obrigatoriedade de sistemas de carregamento de veículos elétricos em novos edifícios e nos casos de grandes renovações. Isso irá estimular ainda mais a inovação e desenvolvimento de novas soluções.
Mas não posso deixar de fazer uma pequena provocação, até para reforçar a importância do transporte público, a médio prazo: as pessoas que vivem nos grandes centros urbanos deviam, primeiro que tudo, avaliar a necessidade de ter uma viatura própria. Menos dependência do automóvel será bom para o ambiente, para a saúde e para a carteira.
Em Portugal, mais de 95% do nosso edificado é anterior à existência de requisitos de eficiência energética. Só a partir da década de 1990 e, especialmente a partir de 2006, com a legislação da certificação energética (SCE), passámos a ter uma construção regulada em matéria de eficiência energética. Isso fez com que tenhamos como ponto de partida uma enorme maioria de edifícios pouco eficientes e, naturalmente, um grande desafio de reabilitação pela frente. No entanto, estamos na linha da frente da resposta europeia a esse desafio, com uma Estratégia de Longo Prazo para a Renovação do Edifícios (ELPRE) aprovada e elogiada pela Comissão Europeia e temos hoje, um dos sistemas de certificação energética de edifícios reconhecidamente mais avançados e robustos da Europa.
Os fundos comunitários de apoio à implementação de medidas de melhoria são um ponto importante e servem como incentivador da renovação do edificado. A ELPRE prevê que, até 2050, sejam investidos cerca de 143 mil milhões de euros para renovar os edifícios em Portugal e os fundos europeus serão uma importante ajuda para alavancar esse investimento. Importa realçar que cerca de 20% desse investimento será dirigido à melhoria da envolvente dos edifícios (isolamentos e janelas), num importante contributo para a redução da pobreza energética.
Para que estes fundos sejam bem aplicados, é necessária a disponibilização de instrumento práticos e ágeis que facilitem a sua adoção e também uma forte aposta de divulgação e informação ao consumidor. Algo que a ADENE tem vindo a desenvolver, ao disponibilizar instrumentos como o Portal casA+ (www.portalcasamais.pt) e o CLASSE+ (www.classemais.pt), que facilitam o acesso dos consumidores a soluções de eficiência energética e geração de energia renovável, para além do certificado energético (www.sce.pt), enquanto diagnóstico técnico especializado sobre o que pode e deve ser objeto de melhoria no edifício para aumentar o seu desempenho energético. Ao mesmo tempo, lançámos a Rota da Energia, iniciativa em que abordamos diretamente os consumidores, população escolar e técnicos municipais.
Em paralelo, a ADENE tem dado apoio técnico à operacionalização dos programas do Fundo Ambiental que, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), já estão a fazer chegar fundos aos consumidores.
É verdade que a nossa posição geográfica faz com que tenhamos mais horas de sol e por esse motivo devemos aproveitar o potencial solar, o que temos efetuado na última década. No entanto, a aposta em energias renováveis não tem origem apenas na energia solar. A aposta na energia hídrica e eólica têm uma contribuição fundamental na produção de energia no nosso País.
Em 2019, Portugal foi o 4º país da UE-28 com maior produção de eletricidade com origem em fontes de energia renováveis (FER), atrás apenas da Áustria, Suécia e Dinamarca (e 4 lugares acima da Alemanha). Nesse ano, 53,8% do consumo de eletricidade em Portugal tinha origem em FER. Em 2021, esse valor foi de 59%.
É verdade que a aposta no solar é mais recente, mas o país tem vindo a investir muito nesta área e os efeitos desse investimento já são visíveis. Entre 2009 e 2019 a produção de energia solar fotovoltaica em Portugal aumentou 739%.
A economia circular é extremamente importante, sendo preciso assegurar que os materiais possam ser reaproveitados o máximo possível para reduzir a produção de resíduos. A tecnologia está em constante evolução e a necessidade de substituir componentes e equipamentos faz com que este tema já tenha sido objeto de análise. Verificamos que atualmente já é efetuada uma gestão integrada dos produtos, nomeadamente ao nível de encaminhamento de resíduos para empresas especializadas na recuperação, por exemplo, as turbinas eólicas, renovadas e posteriormente são reutilizadas. Existem também iniciativas para que os materiais usados nas torres eólicas, aço e fibra de vidro possam ser recuperados e utilizados depois noutros setores de atividade e temos também situações de empresas que já utilizam a madeira como alternativa aos materiais anteriormente identificados numa lógica de promoção da sustentabilidade de toda a cadeia de valor. O mesmo acontece ao nível dos painéis fotovoltaicos, onde a possibilidade de recuperação e uma nova vida aos produtos usados é possível e já é efetuado.
De referir as normas internacionais e as declarações ambientais de produto que permitem aferir a sustentabilidade dos produtos e que as empresas devem observar na prossecução dos objetivos climáticos que temos previsto.
No centro da missão da ADENE estão as pessoas. O nosso papel enquanto agência nacional é garantir a participação ativa dos cidadãos e, para isso, desenvolvemos os meios de informação necessários que podem aumentar a literacia energética dos consumidores, mas é também nossa missão disponibilizar orientação técnica e maior qualificação dos profissionais do setor.
A ADENE tem igualmente a responsabilidade de desenvolver atividades de interesse público na área da energia e colaborar com os decisores políticos e os organismos da Administração Pública, mas também com a Academia e as empresas
O reforço da cooperação institucional com associações do setor, municípios e agências de energia e ambiente locais e regionais, e a divulgação e a capacitação ao nível das Comunidades de Energia Renovável (CER), são outras atividades que potenciam o papel da ADENE.
20 anos depois da sua criação, a ADENE é hoje uma entidade focada no cidadão, com a missão ambiciosa de contribuir para uma sociedade energeticamente mais informada, capacitada e com níveis de literacia energética que permitam a cada cidadão participar ativamente na transição energética e na descarbonização do nosso País
20 anos depois da sua criação, a ADENE é hoje uma entidade focada no cidadão, com a missão ambiciosa de contribuir para uma sociedade mais informada, capacitada e com níveis de literacia energética que permitam a cada cidadão participar ativamente na transição energética e na descarbonização do nosso País.
O maior desafio nestas duas décadas foi afirmar a ADENE como entidade agregadora do setor energético, num percurso que só foi possível graças ao excelente corpo técnico que mostra diariamente que, com toda a energia, é possível fazer acontecer.
Hoje a ADENE não é apenas a certificação. Sim, esta é uma área importante da nossa casa, e tem um papel essencial na descarbonização, mas hoje a ADENE é muito mais. Hoje a ADENE é energia renovável, porque dinamizamos a criação de Comunidades de Energia e o Autoconsumo e incentivamos a diversificação de fontes de energia renovável.
A ADENE é também eficiência energética, mas temos uma nova paixão que é a eficiência hídrica, onde criámos o AQUA+ que está já a afirmar-se como um sistema voluntário pioneiro. Após dois anos de atuação no setor residencial, lançámos, em dezembro último, o AQUA+ Hotéis, destinado a empreendimentos turísticos, em parceria com o Turismo de Portugal.
Estamos cada vez mais entusiasmados com a Economia Circular e queremos aplicar os seus critérios a processos e produtos consumidores de recursos energéticos, hídricos e novos materiais. Em 2022 vamos lançar um novo sistema de classificação do desempenho em economia circular de organizações e empresas.
A Academia ADENE é cada vez mais uma referência no aperfeiçoamento técnico, capacitando os profissionais do setor através da inovação e da partilha de conhecimento.
Também na mobilidade, desenvolvemos projetos que visam potenciar a descarbonização do setor dos transportes, através da criação de sistemas e referências para a mobilidade sustentável, como o recentemente lançado MOVE+ Pesados.
Em fevereiro, a ADENE vai assumir a presidência da Rede Europeia de Energia (EnR), o que se apresenta como uma oportunidade de reforço da cooperação nacional e internacional.
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