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Informação profissional sobre a Envolvente do Edifício

O longo caminho para um edificado renovado e preparado para o futuro em Portugal

Pedro Palma
João Pedro Gouveia
CENSE - Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

20/04/2023
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Todos os anos, repete-se o mesmo. Com a chegada dos primeiros dias de outono, multiplicam-se as notícias na comunicação social dando conta de que grande parte dos portugueses passa frio em casa e não tem recursos para aquecer devidamente as suas habitações, e que Portugal apresenta os piores indicadores de pobreza energética da União Europeia [1,2].

Passa o inverno e o problema cai no esquecimento até o regresso de dias mais frios nos relembrarem que ele continua bem presente e por resolver. O problema crónico de desconforto térmico nas habitações tem sérias consequências para o bem-estar e saúde da população [3]. Embora a atenção mediática sobre este problema se concentre principalmente na época fria, a verdade é que também no verão grande parte da população tem dificuldade em manter uma temperatura confortável na sua casa [4].

Uma das principais causas da pobreza energética é o baixo desempenho energético do edificado residencial. No Pacto Verde Ecológico, a Comissão Europeia destaca a necessidade de alavancar a renovação do edificado, para combater a pobreza energética, mas também para aumentar a eficiência energética e reduzir emissões de gases com efeito de estufa [5].

Foi aprovado, em 2021, um conjunto de propostas designado “Objetivo 55” (Fit-for-55) para atualizar a legislação em vigor e assegurar a sua consonância com a nova meta de redução até 2030 de, pelo menos, 55% das emissões de gases com efeito de estufa em relação a 1990 e a neutralidade climática em 2050 [6].

Um dos objetivos deste pacote legislativo é precisamente potenciar a transição ecológica dos edifícios, tendo resultado numa proposta de revisão da diretiva do desempenho energético dos edifícios. Esta revisão, igualmente delineada na estratégia “Renovation Wave” de 2020 [7], tem como objetivo principal acelerar as taxas de renovação do edificado, definindo standards mínimos de desempenho energético, um passaporte de renovação e uma revisão dos certificados energéticos para aumentar a sua qualidade e comparabilidade.
Considerando todo o tipo de renovação energética, a taxa de renovação média ponderada na União Europeia situa-se abaixo dos 1%, sendo que o objetivo definido é, no mínimo, duplicar estas taxas [8], com vista ao cumprimento das metas energéticas e climáticas definidas.

A realidade portuguesa

Em Portugal temos edifícios antigos, mal preparados e com baixo desempenho térmico, cerca de 67% dos edifícios residenciais certificados têm classe energética C ou inferior [9]. Considerando que os certificados são, na sua maioria, de alojamentos novos ou que entram no mercado (venda e arrendamento), é expectável que o nosso parque habitacional tenha um desempenho energético ainda pior.

A renovação apresenta-se assim com uma solução premente, tal como extensivamente destacado em todas as principais estratégias políticas na área da energia e clima, nomeadamente o Plano Nacional de Energia e Clima 2030, a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, o Roteiro Nacional para a Neutralidade Carbónica 2050 e igualmente na versão preliminar da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050.

Não obstante, a taxa nacional de renovação profunda dos edifícios em Portugal situa-se apenas nos 0,1% por ano [10], abaixo da taxa média na União Europeia [7] e longe das metas europeias. Diversas barreiras à renovação do edificado serão responsáveis por esta taxa reduzida, como a falta de consciencialização, informação e literacia sobre o problema, conflito de incentivos entre proprietários e arrendatários, programas de apoio pouco eficazes, entre outras, mas a falta de financiamento e fundos necessários para a renovação é possivelmente a mais relevante e prevalente.

Com isto coloca-se a importante questão: quanto custará a renovação do nosso edificado para condições que proporcionem conforto térmico aos seus ocupantes e que medidas serão mais eficazes nas diferentes regiões do país?

Um estudo com vários cenários

No âmbito de um trabalho de investigação [11] desenvolvido no CENSE, FCT-NOVA promovemos um estudo com o objetivo de responder precisamente a esta questão. Utilizando dados de cerca de meio milhão de certificados energéticos para caracterização do parque habitacional em 264 tipologias de habitações, e uma base de dados com preços e desempenho térmico das diferentes soluções de renovação oferecidas pelo mercado, calculámos o custo da renovação de todo o edificado residencial ocupado e de primeira residência.

Foram analisados três cenários diferentes, com variações no tipo de intervenção, magnitude do investimento e desempenho energético final das habitações. Todos os cenários asseguram a melhoria necessária do desempenho energético dos alojamentos que garante o nível adequado de conforto térmico, tal como definido no atual regulamento do desempenho energético dos edifícios residenciais.
Dois cenários consideram medidas de preço mais reduzido que cumprem os requisitos do regulamento, cuja diferença entre ambos se prende com o isolamento das paredes (exterior ou interior). O terceiro cenário considera as medidas com o melhor desempenho energético disponível no mercado.
O estudo identifica também quais as medidas mais custo-eficazes, ou seja, que permitem reduzir em maior grau as necessidades de energia para aquecimento e arrefecimento dos alojamentos por euro investido, por região NUTS3, e por tipologia de edifício.

Medidas mais custo-eficazes e quanto custa a renovação?

A renovação das coberturas surge como a medida mais custo-eficaz, com um valor de redução de necessidades de aquecimento entre 2,5 e 3,4 kWh/€ e entre 0,6 e 0,8 kWh/€ das necessidades de arrefecimento. Não sendo tão custo-eficaz, a instalação de isolamento nas paredes e substituição de janelas pode igualmente resultar numa redução significativa das necessidades de energia dos edifícios.

A renovação das paredes poderá permitir reduções das necessidades de aquecimento entre 35% e 43%, mas não assegura reduções das necessidades de arrefecimento. A substituição das janelas pode resultar numa redução das necessidades de aquecimento até 6,3% e de arrefecimento até 15,7%, se a solução de melhor desempenho térmico - janelas de caixilho de alumínio com corte térmico e envidraçado de baixa emissividade- for a adotada.

Os mapas dos valores de custo eficácia de redução das necessidades energéticas de aquecimento e arrefecimento para os cenários de renovação total (paredes, cobertura e janelas), para um alojamento médio, são apresentados na Figura 1 e Figura 2, respetivamente. Verifica-se que a renovação profunda tem, de forma geral, melhor custo-eficácia para a redução de necessidades de energia para aquecimento em regiões do norte interior e do sul interior para redução de necessidades de energia no Verão.

Regiões NUTS3...
Regiões NUTS3: 1 - Alentejo Central; 2 - Alentejo Litoral; 3 – Algarve; 4 - Alto Alentejo; 5 - Alto Minho; 6 - Alto Tâmega; 7 - Área Metropolitana de Lisboa; 8 - Área Metropolitana do Porto; 9 – Ave; 10 - Baixo Alentejo; 11 - Beira Baixa; 12 - Beiras e Serra da Estrela; 13 – Cávado; 14 – Douro; 15 - Lezíria do Tejo; 16 - Médio Tejo; 17 – Oeste; 18 - Região Autónoma da Madeira; 19 - Região de Aveiro; 20 - Região de Coimbra; 21 - Região de Leiria; 22 - Tâmega e Sousa; 23 - Terras de Trás-os-Montes; 24 - Viseu Dão Lafões

Figura 1 – Custo-eficácia dos diferentes cenários de renovação total para redução das necessidades de aquecimento (esquerda – melhores medidas; centro – medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo interior; C - medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo exterior)

Figura 2 - Custo-eficácia dos diferentes cenários de renovação total para redução das necessidades de arrefecimento (esquerda – melhores medidas;...
Figura 2 - Custo-eficácia dos diferentes cenários de renovação total para redução das necessidades de arrefecimento (esquerda – melhores medidas; centro – medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo interior; C - medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo exterior).
Em relação ao investimento total necessário, os resultados apontam para um valor necessário a rondar os 72 mil milhões de euros, sem considerar taxas de desconto, para a renovação profunda do edificado residencial. A aplicação das melhores medidas de mercado resultaria num valor potencial de investimento na ordem dos 100 mil milhões de euros.
Estes valores são montantes muito significativos, que ultrapassam em larga escala os 300 milhões de euros atualmente alocados no Fundo de Resiliência e Recuperação para a eficiência energética em edifícios residenciais, que representam apenas 0,4% do montante mínimo necessário.

Em fevereiro de 2023, dos 189,6 milhões de investimento dos candidatos com candidatura elegível no programa “Edifícios + Sustentáveis, 45,8 milhões (24%) financiaram a substituição de janelas e aproximadamente 1,3 milhões, apenas 0,7% do montante total, foi utilizado para isolamento das coberturas, pavimentos ou paredes dos alojamentos [12], componente essencial da renovação do edificado.

As obras financiadas por este apoio acrescentam apenas marginalmente a uma taxa de renovação do edificado historicamente baixa, especialmente no que respeita a elementos como as paredes e as coberturas.

É urgente a promoção e investimento no isolamento de coberturas e substituição de janelas

Todos estes números ilustram, de forma inequívoca, a urgente necessidade de aumentar consideravelmente a promoção e investimento numa renovação energética profunda das casas portuguesas, com enfoque no isolamento de coberturas e paredes e substituição de janelas.

O desenvolvimento de um programa de apoio diferenciado e apenas dedicado à reabilitação da envolvente das habitações poderia constituir um importante passo no longo caminho para a transformação do nosso parque habitacional, dotando-o das características necessárias para resistir às alterações climáticas e eventos meteorológicos extremos e para permitir todas as condições de conforto para a população, quer no Inverno, como no Verão.
A redução da pobreza energética tem benefícios sociais muito consideráveis, nomeadamente ao nível da saúde física e mental da população, da redução de isolamento e estigma social, e do aumento do rendimento escolar e produtividade de trabalho. O acesso a habitações condignas que proporcionem conforto térmico é um direito humano universal e como tal deve ser uma prioridade política em Portugal.

Referências

[1] Eurostat. (2023). Inability to keep home adequately warm - EU-SILC survey. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]

[2] Eurostat. (2023). Total population living in a dwelling with a leaking roof, damp walls, floors or foundation, or rot in window frames or floor - EU-SILC survey. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]

[3] Oliveras, L., Peralta, A., Palència, L., Gotsens, M., López, M. J., Artazcoz, L., Borrell, C., & Marí-Dell’Olmo, M. (2021). Energy poverty and health: Trends in the European Union before and during the economic crisis, 2007–2016. Health and Place, 67. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2020.102294

[4] Eurostat. (2012). Share of population living in a dwelling not comfortably cool during summer time by income quintile and degree of urbanisation. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]

[5] Comissão Europeia. (2019). Communication from the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions - The European Green Deal. Brussels, 11.12.2019 COM(2019) 640 final

[6] Comissão Europeia. (2021). Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions - 'Fit for 55': delivering the EU's 2030 Climate Target on the way to climate neutrality. Brussels, 14.7.2021. COM(2021) 550 final

[7] Comissão Europeia (2020). A Renovation Wave for Europe—Greening our Buildings, Creating Jobs, Improving Lives. 14.10.2020, COM(2020) 662 Final. European Commission: Brussels, Belgium, 2020.

[8] Comissão Europeia. (2021). Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on the energy performance of buildings (recast). Brussels, 15.12.2021. COM(2021) 802 final. 2021/0426(COD)

[9] ADENE. (2023). Estatística do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios. Agência para a Energia. https://www.sce.pt/estatisticas/

[10] INE. (2020). Construção e Habitação. Estatísticas. Instituto Nacional de Estatística. Disponível em: www.ine.pt

[11] Palma, P., Gouveia, J. P., & Barbosa, R. (2022). How much will it cost? An energy renovation analysis for the Portuguese dwelling stock. Sustainable Cities and Society, 78. https://doi.org/10.1016/j.scs.2021.103607

[12] República Portuguesa. (2023). Relatório da Fase II do Programa Edifícios mais Sustentáveis 2021/2022. Dados atualizados a 03.02.2023. Fundo Ambiental. Disponível em: https://www.fundoambiental.pt/ficheiros/2023/relatorio-final-paes-ii_9fev_f_c-anexos1.aspx

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