Pedro Palma
João Pedro Gouveia
CENSE - Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Todos os anos, repete-se o mesmo. Com a chegada dos primeiros dias de outono, multiplicam-se as notícias na comunicação social dando conta de que grande parte dos portugueses passa frio em casa e não tem recursos para aquecer devidamente as suas habitações, e que Portugal apresenta os piores indicadores de pobreza energética da União Europeia [1,2].
Passa o inverno e o problema cai no esquecimento até o regresso de dias mais frios nos relembrarem que ele continua bem presente e por resolver. O problema crónico de desconforto térmico nas habitações tem sérias consequências para o bem-estar e saúde da população [3]. Embora a atenção mediática sobre este problema se concentre principalmente na época fria, a verdade é que também no verão grande parte da população tem dificuldade em manter uma temperatura confortável na sua casa [4].
Foi aprovado, em 2021, um conjunto de propostas designado “Objetivo 55” (Fit-for-55) para atualizar a legislação em vigor e assegurar a sua consonância com a nova meta de redução até 2030 de, pelo menos, 55% das emissões de gases com efeito de estufa em relação a 1990 e a neutralidade climática em 2050 [6].
Em Portugal temos edifícios antigos, mal preparados e com baixo desempenho térmico, cerca de 67% dos edifícios residenciais certificados têm classe energética C ou inferior [9]. Considerando que os certificados são, na sua maioria, de alojamentos novos ou que entram no mercado (venda e arrendamento), é expectável que o nosso parque habitacional tenha um desempenho energético ainda pior.
Não obstante, a taxa nacional de renovação profunda dos edifícios em Portugal situa-se apenas nos 0,1% por ano [10], abaixo da taxa média na União Europeia [7] e longe das metas europeias. Diversas barreiras à renovação do edificado serão responsáveis por esta taxa reduzida, como a falta de consciencialização, informação e literacia sobre o problema, conflito de incentivos entre proprietários e arrendatários, programas de apoio pouco eficazes, entre outras, mas a falta de financiamento e fundos necessários para a renovação é possivelmente a mais relevante e prevalente.
No âmbito de um trabalho de investigação [11] desenvolvido no CENSE, FCT-NOVA promovemos um estudo com o objetivo de responder precisamente a esta questão. Utilizando dados de cerca de meio milhão de certificados energéticos para caracterização do parque habitacional em 264 tipologias de habitações, e uma base de dados com preços e desempenho térmico das diferentes soluções de renovação oferecidas pelo mercado, calculámos o custo da renovação de todo o edificado residencial ocupado e de primeira residência.
A renovação das coberturas surge como a medida mais custo-eficaz, com um valor de redução de necessidades de aquecimento entre 2,5 e 3,4 kWh/€ e entre 0,6 e 0,8 kWh/€ das necessidades de arrefecimento. Não sendo tão custo-eficaz, a instalação de isolamento nas paredes e substituição de janelas pode igualmente resultar numa redução significativa das necessidades de energia dos edifícios.
A renovação das paredes poderá permitir reduções das necessidades de aquecimento entre 35% e 43%, mas não assegura reduções das necessidades de arrefecimento. A substituição das janelas pode resultar numa redução das necessidades de aquecimento até 6,3% e de arrefecimento até 15,7%, se a solução de melhor desempenho térmico - janelas de caixilho de alumínio com corte térmico e envidraçado de baixa emissividade- for a adotada.
Os mapas dos valores de custo eficácia de redução das necessidades energéticas de aquecimento e arrefecimento para os cenários de renovação total (paredes, cobertura e janelas), para um alojamento médio, são apresentados na Figura 1 e Figura 2, respetivamente. Verifica-se que a renovação profunda tem, de forma geral, melhor custo-eficácia para a redução de necessidades de energia para aquecimento em regiões do norte interior e do sul interior para redução de necessidades de energia no Verão.
Figura 1 – Custo-eficácia dos diferentes cenários de renovação total para redução das necessidades de aquecimento (esquerda – melhores medidas; centro – medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo interior; C - medidas mais baratas com isolamento de paredes pelo exterior)
Em fevereiro de 2023, dos 189,6 milhões de investimento dos candidatos com candidatura elegível no programa “Edifícios + Sustentáveis, 45,8 milhões (24%) financiaram a substituição de janelas e aproximadamente 1,3 milhões, apenas 0,7% do montante total, foi utilizado para isolamento das coberturas, pavimentos ou paredes dos alojamentos [12], componente essencial da renovação do edificado.
Todos estes números ilustram, de forma inequívoca, a urgente necessidade de aumentar consideravelmente a promoção e investimento numa renovação energética profunda das casas portuguesas, com enfoque no isolamento de coberturas e paredes e substituição de janelas.
Referências
[1] Eurostat. (2023). Inability to keep home adequately warm - EU-SILC survey. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]
[2] Eurostat. (2023). Total population living in a dwelling with a leaking roof, damp walls, floors or foundation, or rot in window frames or floor - EU-SILC survey. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]
[3] Oliveras, L., Peralta, A., Palència, L., Gotsens, M., López, M. J., Artazcoz, L., Borrell, C., & Marí-Dell’Olmo, M. (2021). Energy poverty and health: Trends in the European Union before and during the economic crisis, 2007–2016. Health and Place, 67. https://doi.org/10.1016/j.healthplace.2020.102294
[4] Eurostat. (2012). Share of population living in a dwelling not comfortably cool during summer time by income quintile and degree of urbanisation. Eurostat Database. Available at: [https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ilc_mdes01/default/table?lang=en]
[5] Comissão Europeia. (2019). Communication from the Commission to the European Parliament, the European Council, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions - The European Green Deal. Brussels, 11.12.2019 COM(2019) 640 final
[6] Comissão Europeia. (2021). Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions - 'Fit for 55': delivering the EU's 2030 Climate Target on the way to climate neutrality. Brussels, 14.7.2021. COM(2021) 550 final
[7] Comissão Europeia (2020). A Renovation Wave for Europe—Greening our Buildings, Creating Jobs, Improving Lives. 14.10.2020, COM(2020) 662 Final. European Commission: Brussels, Belgium, 2020.
[8] Comissão Europeia. (2021). Proposal for a DIRECTIVE OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on the energy performance of buildings (recast). Brussels, 15.12.2021. COM(2021) 802 final. 2021/0426(COD)
[9] ADENE. (2023). Estatística do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios. Agência para a Energia. https://www.sce.pt/estatisticas/
[10] INE. (2020). Construção e Habitação. Estatísticas. Instituto Nacional de Estatística. Disponível em: www.ine.pt
[11] Palma, P., Gouveia, J. P., & Barbosa, R. (2022). How much will it cost? An energy renovation analysis for the Portuguese dwelling stock. Sustainable Cities and Society, 78. https://doi.org/10.1016/j.scs.2021.103607
[12] República Portuguesa. (2023). Relatório da Fase II do Programa Edifícios mais Sustentáveis 2021/2022. Dados atualizados a 03.02.2023. Fundo Ambiental. Disponível em: https://www.fundoambiental.pt/ficheiros/2023/relatorio-final-paes-ii_9fev_f_c-anexos1.aspx
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