Entrevista com Manuel Joaquim Reis Campos, presidente da direção da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas
“Só uma atuação conjunta permitirá a concretização das metas de desenvolvimento sustentável e de combate à emergência ambiental que o país e a Europa atravessam”
Ainda que a construção sustentável já seja uma realidade, ainda há muito por fazer nesta área em Portugal. O presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas fala sobre os principais desafios, o que é necessário para que se invista cada vez mais em projetos de construção sustentável, o papel do setor das portas e janelas e as principais tendências para o futuro, que passam por ferramentas BIM e a transição para uma economia circular.
Manuel Joaquim Reis Campos, presidente da direção da AICCOPN
Quais os principais desafios que Portugal enfrenta em matéria de construção sustentável?
A construção sustentável é já uma realidade no nosso país, destacam-se em especial os projetos promovidos e implementados para responder à emergência associada à transição para a Economia Circular, bem como para os princípios da “Construção 4.0”.
Este é, no entanto, um desafio impactante para o setor da construção e do imobiliário, uma vez que o recurso a novas tecnologias e à inovação, a capacitação dos recursos humanos, a procura de produtos e soluções inteligentes e sustentáveis constituem hoje fatores indispensáveis para as empresas, que têm de valorizar cada vez mais a circularidade e a sustentabilidade nas suas estratégias de atuação.
No entanto, a transição para modelos de desenvolvimento mais sustentáveis, numa sociedade em que as questões ambientais e energéticas assumem uma importância cada vez maior nas decisões de investimento, obrigam a uma transformação global, com a participação efetiva de todos os participantes da cadeia de valor da construção, os decisores políticos, os donos de obra públicos e particulares, os projetistas, as empresas de construção, os fornecedores de materiais, a academia, bem como os utilizadores finais dos produtos da construção.
Quais os principais benefícios de apostar numa construção sustentável?
São vários os benefícios. Destaca-se, desde já, aquele que se reveste de maior relevância face à emergência ambiental em que se encontra o país e a Europa, designadamente a implementação de práticas – digitais, tecnológicas e produtivas - em que a eficiência no uso de recursos e a transição para modelos de crescimento mais sustentáveis são prioritários.
A integração digital e tecnológica no processo construtivo, além de determinar um aumento da produtividade, diminuição de custos e redução do desperdício, torna as atividades do setor mais apelativas, considerando que o recurso a máquinas e automação permitem reduzir a exigência física do trabalho e ainda responder a um dos principais constrangimentos da atividade da construção, a falta de mão-de-obra.
A evolução efetiva de sistemas produtivos tradicionais para sistemas mais sustentáveis, a utilização de novos materiais, a construção off-site e modular permitem que as empresas sejam mais flexíveis, dinâmicas e operacionais, com melhorias significativas nas distintas cadeias de valor, designadamente na “oferta” em grande escala de produtos personalizados e individualizados.
Em suma, além dos benefícios óbvios associados à redução da pressão sobre o meio ambiente, as “boas” práticas de sustentabilidade e circularidade devem promover a investigação e a inovação, a interligação de todos os intervenientes na cadeia da produção, bem como o aumento da produtividade, da eficiência e da capacitação de empresas e profissionais.
Qual o papel do setor das portas e janelas dos edifícios na construção sustentável e de que forma pode contribuir para a eficiência energética?
As portas e janelas são componentes essenciais para a sustentabilidade dos edifícios, pelo que a escolha adequada das características técnicas destes elementos representa um papel importante na procura da sustentabilidade e da eficiência energética.
A verificação dos fluxos de energia, quer de ganhos solares, quer de perdas, ou de ventilação, são decisivos para o conforto térmico das edificações e consequentemente dos seus ocupantes, sendo, ainda, um fator determinante na redução dos consumos de energia e da fatura energética.
Assim, o setor associado a estes componentes representa um papel muito importante na sustentabilidade dos edifícios, enquanto setor que procura melhores e mais eficazes sistemas, e tem conseguido corresponder, através do desenvolvimento de novos produtos e sistemas de caixilharias e envidraçados, na incorporação de resíduos na produção de perfis, na integração de vidros fotovoltaicos, na integração de sistemas de inovação, entre outros, para a melhoria da eficiência energética do edificado.
O que é necessário neste sector para que cada vez se invista mais em projetos de construção sustentável?
É urgente uma atuação conjunta, designadamente na criação de normas e regulamentos de simples implementação, na valorização no âmbito dos concursos públicos das propostas com soluções ambientalmente mais eficientes, na definição de políticas de financiamento e contratação pública, na investigação e desenvolvimento – de novos produtos e processos construtivos, na disponibilização de plataformas e ferramentas tecnológicas, na gestão de recursos, bem como na definição de novas competências e capacitação dos profissionais do setor, através dos centros de excelência do setor (o CICCOPN e o CENFIC), investindo na reorientação dos cursos de formação para as novas valências no âmbito das matérias associadas à sustentabilidade.
Só esta atuação conjunta permitirá a concretização das metas de desenvolvimento sustentável e de combate à emergência ambiental que o país e a Europa atravessam.
Quais as principais tendências em matéria de construção sustentável para o futuro?
A construção sustentável, bem como a transição para uma economia circular, é já uma realidade para muitas empresas do setor da construção e do imobiliário, que têm vindo a desenvolver projetos no âmbito da gestão eficaz dos resíduos de construção e demolição, bem como a sua valorização e desenvolvimento de plataformas colaborativas, no mercado das matérias primas-secundárias, na incorporação de materiais reciclados nas empreitadas de obras públicas e particulares, na avaliação do ciclo de vida dos edifícios, na concretização de projetos de conceção que já acautelam a “futura” desconstrução em nova construção e, por fim, na criação de ferramentas baseadas em BIM – Building Information Modeling - para modelos de construção circular.
A construção offsite e a pré-fabricação são outros dos fatores de aposta, na vertente da industrialização da construção, uma vez que visam promover soluções com maior produtividade e eficiência no uso de recursos humanos e materiais, apresentando a possibilidade de, em determinados contextos, possibilitar custos de construção mais baixos, um maior controlo e menor desperdício de recursos e uma produção mais rápida.
Em resumo, a inovação focada na eficiência energética e na circularidade, o estabelecimento da construção industrializada e a transição digital e implementação de ferramentas BIM, em grande escala, parecem-nos ser, a curto prazo, as grandes apostas do Setor da Construção e do Imobiliário na implementação de práticas de sustentabilidade.