Associação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes - ANFAJE
Informação profissional sobre a Envolvente do Edifício
“Mudar a lei é a medida que, sendo fácil, menos resultados oferece”

Entrevista com Gonçalo Byrne, bastonário da Ordem dos Arquitectos

Sónia Ramalho com Gabriela Costa25/10/2023

A pretexto dos resultados do último inquérito do Observatório da Profissão, Gonçalo Byrne analisa, em entrevista exclusiva, o estado-da-arte da arquitetura em Portugal, na atual conjuntura do setor da construção. De saída da Ordem dos Arquitectos, o bastonário defende que a “hiper legislação que condiciona a prática da arquitetura” torna “difícil” conseguir, no curto prazo, melhor acesso à habitação. E alerta para uma mudança de lei que não deve converter-se na “total liberalização da construção”.

Gonçalo Byrne, Bastonário da Ordem dos Arquitectos
Gonçalo Byrne, Bastonário da Ordem dos Arquitectos

O levantamento de informação sobre a prática profissional em arquitetura deve repetir-se com uma periodicidade bienal ou trienal

O que revela o recente inquérito do Observatório da Profissão da OA?

O Observatório da Profissão é um instrumento fundamental para conhecer a realidade da profissão em Portugal. Baseia-se nos dados fornecidos pelos arquitetos portugueses a partir de inquéritos, os quais são complementados pelos dados que constam em outras plataformas de informação relevantes para a prática profissional da arquitetura. É um instrumento de recolha, análise e tratamento de informação que queremos que permita à Ordem dos Arquitectos (OA) ter a informação para construir alicerces sólidos para a sua atuação, antecipar as discussões e ser prepositiva.

Os dados recolhidos permitem, por um lado, abrir a OA à sociedade, que poderá aceder de forma transparente ao trabalho desenvolvido pelo Observatório da Profissão e, por outro, ajudar internamente a encontrar estratégias de atuação e políticas de regulação da profissão (a curto, médio e longo prazo) capazes de dar resposta às diferentes necessidades que vierem a ser identificadas.

A primeira iniciativa do Observatório da Profissão decorreu junto dos membros da Ordem, em setembro e outubro de 2022, sob coordenação técnica e científica do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa (CESOP), e teve como principal premissa o levantamento geral de informação sobre as diversas formas da prática profissional em arquitetura. Os resultados deste inquérito foram apresentados pelo CESOP no 16°Congresso dos Arquitectos, realizado em Ponta Delgada, em março de 2023, e publicados no site da OA.

O principal objetivo desta iniciativa, que deve repetir-se com uma periodicidade bienal ou trienal, é a atualização rigorosa de informação relativa ao exercício profissional, nomeadamente através da análise comparativa dos resultados obtidos neste inquérito com os dados de outras bases respeitantes ao setor. Após a publicação do relatório dos resultados, o Observatório da Profissão tem-se dedicado, entre outras iniciativas, à análise e tratamento dos dados, com recurso a fontes de informação rigorosa e pertinente para a profissão, que serão publicados brevemente.

Como instituição de direito público, a OA tem como uma das suas principais atribuições a defesa e promoção da arquitetura, no reconhecimento da sua função social e cultural, premissa para a qual, certamente, este inquérito será fundamental, na capacidade que trará de entender a prática da arquitetura nas suas múltiplas dimensões.

Na sua opinião, porque motivo alguns diplomados em arquitetura nunca se inscreveram na Ordem dos Arquitectos?

O período de transição entre o ensino e o mercado de trabalho terá, certamente, diversos caminhos e alguns constrangimentos. Podemos estar perante profissionais que tiveram oportunidades noutros setores, que escolheram a diáspora ou que seguiram a carreira académica ou a investigação científica, por exemplo. Este novo inquérito serve, justamente, para percebermos esta realidade.

Recentemente terminou a segunda fase deste inquérito, dirigida aos diplomados em arquitetura que nunca se inscreveram na Ordem, e que vai permitir um diagnóstico mais completo e uma caracterização mais rigorosa da arquitetura em Portugal. Os dados já disponíveis evidenciam um grande equilíbrio entre o número anual de diplomados, em Portugal, e os inscritos na OA, estimando que apenas 6,4% dos diplomados nunca se inscreveram na OA (percentagem bastante inferior ao expectável).

Este indicador deixa-nos conscientes da dificuldade acrescida no acesso de estes profissionais, mas, reconhecendo a importância desta auscultação, assumimos esta missão. Pretendemos, por exemplo, compreender dificuldades que possam existir no acesso à profissão, se é que as há; que caminhos profissionais seguiram os jovens e se trabalham na área da arquitetura; e de que modo a formação em arquitetura é importante no seu desempenho profissional, mesmo que fora do setor.

Queremos todos os arquitetos inscritos na Ordem dos Arquitectos

Que iniciativas estão a ser delineadas para atrair estes arquitetos para a OA?

Antes de mais, a Ordem pretende, com este inquérito, entender a sua realidade. Só dessa forma é possível, com rigor, perceber o que os afastou da OE e desenhar estratégias para os aproximar. Mas entendemos que temos feito um trabalho consistente na afirmação desta Ordem Profissional. Num momento em que se debate o Estatuto desta e das restantes Ordens Profissionais, em que o Governo procura eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência, a realidade concreta destes diplomados é importante, embora representem apenas 6,4% do número total de diplomados em arquitetura.

Queremos todos os arquitetos inscritos na Ordem dos Arquitectos. Opomo-nos à ideia de que existem obstáculos proporcionados pela Ordem no acesso à profissão. Opomo-nos à ideia de que aplicamos restrições desproporcionadas. Não temos qualquer evidência que o confirme. Só em 2021, 760 estagiários candidataram-se a membro efetivo e nenhum foi recusado.

Queremos todos os arquitetos na OA porque é através dela que se garante a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços. E, no caso da arquitetura, os destinatários dos serviços de arquitetura não são apenas aqueles que encomendam o serviço e pagam por ele. Os destinatários dos serviços são todos os cidadãos. Do trabalho do arquiteto emergem as cidades e as paisagens que temos.

A OA é uma entidade aberta à sociedade e, como tal, o trabalho do Observatório da Profissão serve, no contexto da arquitetura, não só os seus membros, mas também as entidades públicas e privadas e a sociedade, em geral. Estes dados serão, certamente, uma mais-valia para a profissão, para os organismos público, para os estabelecimentos de ensino superior, etc.

Observam-se, essencialmente, microempresas com um a cinco arquitetos, o que dificulta o alcance de economias de escala e a melhoria das condições de trabalho

Qual é a realidade da arquitetura no nosso país?

Essa pergunta tem uma resposta complexa. Até porque me questiona sobre a realidade da arquitetura e não a da profissão. Vivemos tempos conturbados. O crescimento que se sentiu no setor da arquitetura no pós-troika foi tímido e insuficiente. A pandemia que se seguiu agravou debilidades que vinham do passado. E, depois, a guerra na Ucrânia e a espiral inflacionista agudizaram essas debilidades. Mas somos arquitetos. Temos uma visão otimista sobre o futuro.

O retrato da profissão tem aspetos que evoluíram positivamente, e a análise comparativa dos dados do Observatório da Profissão mostram-nos isso.

Somos uma profissão cada vez mais paritária (em 16 anos o número de arquitetas cresceu 10,8%, atingindo, neste momento, os 46,3%) e mais experiente (em 2012, no escalão mais baixo, 57% dos arquitetos tinha até nove anos de prática profissional, atualmente 40% tem até dez anos de experiência profissional). Embora continuemos a falar de uma atividade profissional onde a elevada precariedade é uma realidade, regista-se uma maior estabilidade nos vínculos laborais. Mas, apesar de 83% dos arquitetos trabalhar a tempo inteiro, dedicam-se menos ao exercício da arquitetura. 66% dos inquiridos dedicam à arquitetura entre 51% a 100% do seu tempo de trabalho.

Note-se que mais de metade dos arquitetos acumula várias modalidades de exercício profissional, nem todas na área da arquitetura. Curiosamente, neste inquérito surgiram perto de uma centena de outras modalidades de trabalho, sensivelmente em 53 áreas suplementares, das quais se destacam funções relacionadas com o desenho técnico, comércio, tecnologias de informação, gestão, ramo imobiliário e até design.

Observa-se, ainda, um crescimento de arquitetos a trabalhar por conta de outrem, no setor privado (32% comparativamente aos 23,1% aferidos em 2012) e na administração pública (14%, face aos 11,8% de 2012), mas a dimensão das equipas por serviço não ultrapassa os cinco arquitetos em 58% no setor público e 65% no privado.

No trabalho por conta própria, houve uma franca recuperação entre os sócios, gerentes ou administradores de sociedades de arquitetura (17%, face aos 8,8% de 2012 e aos 12,5% de 2006), mas o número de profissionais independentes, ou ENI, (26%) e os prestadores de serviços a outros arquitetos ou sociedades de arquitetura (4%) decresceu.

Observam-se, essencialmente, microempresas. 90% das sociedades têm entre um e cinco arquitetos e 67% apresentam um volume de negócios anual entre 25 e 250 mil euros. Somos um setor fortemente atomizado. A pequena dimensão das empresas dificulta o alcance de economias de escala e a melhoria das condições de trabalho.

Os arquitetos continuam a trabalhar num quadro de enorme precariedade. 48% dos arquitetos trabalham mais de quarenta horas semanais. Porém, cerca de 38% dos arquitetos têm um rendimento líquido aproximado ou abaixo do salário líquido médio estimado em 968,09 euros. Comparando os rendimentos médios anuais na Europa (UE-26) e em Portugal, um dirigente recebe em Portugal, com ajuste PPC, 17.065€ anuais, bastante abaixo da média europeia de 42.576€.

Por último, a encomenda de arquitetura continua, maioritariamente, a ser feita adjudicando ao menor preço, ignorando que a dimensão de custo não é um critério adequado quando queremos contruir com qualidade. Mas a arquitetura é imprescindível. É do bem comum que tratamos, e desempenhamos um papel fundamental no futuro do nosso país.

Percebemos que se procurem eliminar restrições de acesso e melhorar as condições de concorrência. Mas isso não pode significar a total desregulação da profissão

Na sua opinião, quais são os principais desafios e que futuro se pode esperar para a profissão?

Vivemos tempos complexos. A arquitetura cria valor, mas o setor precisa de assegurar melhores condições para a prática profissional.

Mas desde logo, e para a profissão, como Presidente da Ordem dos Arquitectos, preocupa-me o movimento que se começou a construir com a Reforma da Lei das Ordens e que agora prossegue com a revisão dos estatutos de todas as Ordens Profissionais. Percebemos que se procurem eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência. Mas isso não pode significar a total desregulação da profissão. Está na Lei o papel das Ordens, e é claríssimo: em primeiro lugar, a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços; em segundo lugar, a representação e a defesa dos interesses gerais da profissão.

Depois, preocupa-me muito que Portugal não venha a aproveitar devidamente as potencialidades do PRR e tememos pela sua execução atempada, em especial no que toca ao desenvolvimento de programas de habitação e de infraestruturas. Se olharmos para a hiper legislação que enforma e condiciona a prática da arquitetura, vemos como difícil que, no curto prazo, se venha a conseguir materializar a vontade de termos um melhor acesso à habitação. Reconhecemos o esforço do Governo neste campo. Revela um reconhecimento de um problema processual, burocrático. Mas sabemos que mudar a lei e´ a medida que, sendo fácil, menos resultados oferece.

O maior problema são os hábitos instalados, e esses são incrivelmente resistentes. E, por isso, importa que este processo de simplificação não se torne num caminho de total liberalização da construção. Há ainda muitas insuficiências e lacunas para colmatar. Desde logo aquelas que garantam que o Estado não se demite de responsabilidades e que contribui devidamente para valorizar o papel desempenhado pelos arquitetos, simplificando a complexa teia de regulação existente, sem que se percam responsabilidades, competências e qualidade.

E há dimensões conexas que são problemáticas e impactam na confiança do setor, nomeadamente na contratação de obras públicas. A generalização da conceção-construção é negativa e não podemos cair na tentação de prosseguir nesse caminho que noutros países já provou não ser o certo. A qualidade da habitação, um direito constitucional de todos os cidadãos, não deveria, em caso algum, ser preterida em favor de critérios economicistas ou mesmo da urgência. Trata-se da casa, um local cuja qualidade todos, com a pandemia, aprenderam a valorizar.

E tudo isto se prende também com um outro desafio que convoca a todos na sociedade: o da sustentabilidade do nosso futuro e da forma como o vamos construir. Este é um desígnio em que a OA está totalmente empenhada, sempre no sentido de criar e propor uma agenda comum, em prol de um futuro mais ‘verde’, por uma sociedade sustentável, por uma arquitetura sustentável, por uma profissão sustentável. Enquanto arquitetos, aceitamos e assumimos as nossas responsabilidades e queremos fazer a nossa parte.

Tememos pela execução atempada do PRR, em especial no que toca ao desenvolvimento de programas de habitação e de infraestruturas
A qualidade da habitação não deveria, em caso algum, ser preterida em favor de critérios economicistas ou mesmo da urgência

Nota: Entrevista realizada antes de Gonçalo Byrne terminar o seu mandato como Bastonário da Ordem dos Arquitectos.

REVISTAS

Siga-nosAssociação Nacional dos Fabricantes de Janelas Eficientes - ANFAJE

NEWSLETTERS

  • Newsletter NovoPerfil PT

    24/04/2024

  • Newsletter NovoPerfil PT

    17/04/2024

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

novoperfil.pt

Novoperfil - Informação profissional sobre a Envolvente do Edifício

Estatuto Editorial