Num contexto europeu de forte aposta na descarbonização, o setor das janelas ganha protagonismo na melhoria da eficiência energética dos edifícios. A nova Diretiva Europeia do Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD), aprovada em 2024, e o novo Regulamento dos Produtos de Construção (RPC) estão a reformular o enquadramento técnico e legal. Em Portugal, onde 80% dos edifícios têm classificação energética C ou inferior, estas mudanças são urgentes e inevitáveis.
A Diretiva (UE) 2024/1275, relativa ao desempenho energético dos edifícios, introduz medidas para acelerar a renovação do edificado europeu e reforça o papel das janelas, ao permitir que o seu coeficiente de transmissão térmica médio passe a constar nos certificados energéticos. Esta valorização facilita a substituição de janelas antigas por soluções mais eficientes, alinhadas com os objetivos de edifícios de emissões quase nulas. A diretiva prevê ainda passaportes de renovação, metas nacionais de renovação gradual, normas mínimas para edifícios não residenciais e a descarbonização total até 2050. Neste processo, a melhoria da envolvente dos edifícios, onde as janelas têm papel central, é essencial para reduzir perdas térmicas, melhorar o conforto e baixar a fatura energética.
Em Portugal, estas medidas articulam-se com a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética (ELPPE) 2023-2050, cujo primeiro eixo — ‘Promover a sustentabilidade energética e ambiental da habitação’ — destaca a renovação da envolvente passiva (paredes, coberturas, pavimentos e caixilharias) como uma medida estruturante.
Embora os apoios à substituição de caixilharias não estejam no texto-base da ELPPE, são concretizados nos Planos de Ação para o Combate à Pobreza Energética (PACPE) e em programas como o PAE+S (Programa Edifícios Mais Sustentáveis) e o E-Lar, que atribuem incentivos financeiros à instalação de janelas eficientes.
Outros programas, como o Vale Eficiência e o PACR (Programa de Apoio a Condomínios Residenciais), também apoiam financeiramente estas intervenções — incluindo materiais e mão de obra — e continuarão, pelo menos até 2026, a contribuir para combater a pobreza energética e melhorar o desempenho do parque edificado nacional.
Com a entrada em vigor faseada do novo RPC — Regulamento (UE) 2024/3110 —, o setor das janelas enfrenta novas exigências. Cada janela colocada no mercado terá de incluir uma Declaração de Desempenho (DoP) e uma Declaração Ambiental de Produto (DAP ou, em inglês, EPD), com informação sobre energia incorporada, emissões de gases com efeito de estufa e reciclabilidade do conjunto vidro/caixilharia. O regulamento reforça ainda os requisitos de durabilidade, reparabilidade e reciclabilidade, bem como a demonstração de desempenhos térmico e acústico, de acordo com os níveis definidos nas futuras normas harmonizadas (EN).
Outro destaque é o Passaporte Digital do Produto (DPP), que agrega dados sobre composição, pegada de carbono, durabilidade e potencial de reutilização, permitindo maior rastreabilidade ao longo da cadeia de valor. Este novo enquadramento normativo fornece a fabricantes, instaladores e entidades adjudicantes instrumentos para a escolha de soluções mais sustentáveis, exigindo investimentos consideráveis em I&D, adaptação de processos, certificação e formação técnica.
Paralelamente, estão a ser revistos os projetos das normas EN 14351-1 (janelas) e EN 13830 (fachadas envidraçadas), que passarão a definir critérios atualizados para o valor U (indicador do desempenho térmico), ensaios de durabilidade e parâmetros ambientais através das DAP/EPD, com validação por organismos certificados. Para componentes como vidro e sistemas estruturais, está a ser aplicada uma via rápida de normalização, acelerando os processos de aprovação. Este conjunto de alterações legislativas impõe novos padrões técnicos e ambientais, mas também impulsiona a inovação, a competitividade e a renovação do edificado na Europa.
Pedro Santos, diretor técnico da Reynaers e responsável da Comissão Técnica de Normalização 098 do Instituto Português da Qualidade (IPQ) para as normas portuguesas relativas à instalação de janelas, defende mais clareza legislativa e equilíbrio técnico nas exigências de conforto térmico e acústico.
A instalação de janelas continua a ser um dos pontos críticos na construção sustentável. Apesar da crescente exigência em termos de desempenho energético e conforto, Portugal ainda não dispõe de normas técnicas específicas para a instalação destes elementos. “Não existem. Está planeado realizar uma norma após a conclusão do trabalho em curso”, adianta Pedro Santos.
Enquanto se aguarda a criação dessa nova norma, está a decorrer a atualização da NP 4517:2014+2015, que integra requisitos estruturais, “para acomodar as alterações relativas à implementação dos Eurocódigos Estruturais para a nossa realidade”, explica, garantindo ainda coerência com a regulamentação nacional atualmente vigente.
A revisão surge num momento de mudança legislativa a nível europeu, com a nova EPBD, que exigirá alterações legislativas a cargo da Assembleia da República ou do Governo. “Quando existir um novo enquadramento legislativo teremos de atualizar as normas afetadas”, refere.
Contudo, o especialista alerta para a complexidade do quadro legal atual: “é complexo e moroso, mesmo para os especialistas, o que é contraproducente à correta aplicação e escolha, levando a erros técnicos recorrentes com efeitos contrários ao previsto”. Um dos exemplos que destaca é o aumento do isolamento térmico sem considerar os ganhos solares no verão, o que pode resultar em maior necessidade de arrefecimento e aumento do consumo energético.
Relativamente ao Regulamento Geral do Ruído (Decreto-Lei n.º 9/2007), embora não seja tema central da Comissão Técnica 098, Pedro Santos lembra que a sua alteração também depende do legislador. “Se surgirem alterações ao enquadramento atual teremos de realizar a adequação regulamentar”, afirma. Sobre o isolamento acústico, defende soluções equilibradas: “uma melhor atenuação acústica implica maior utilização de recursos. Pode não ser necessária em muitas localizações, por isso, mais importante do que aumentar os critérios, é garantir que os atuais sejam bem aplicados, com conhecimento técnico dos projetistas e colaboração de todos os intervenientes: investidores, donos de obra, fiscalização, fabricantes, instaladores e entidades governamentais e autárquicas”.
No que toca ao impacto do RPC, Pedro Santos é mais otimista. “Aumenta a qualificação dos recursos humanos e clarifica os desempenhos dos produtos comercializados, permitindo um enquadramento na União Europeia que possibilita o comércio”, destaca.
Questionado sobre a ELPPE 2023-2050, mostra-se cauteloso quanto à aplicação dos incentivos. “Se criar um enquadramento favorável ao uso de soluções tecnicamente adequadas para as necessidades coletivas será positivo. Contudo, pode enviesar o mercado livre se favorecer apenas alguns. Creio que seria mais adequado permitir impostos mais favoráveis às soluções tecnicamente adequadas, em vez de atribuir incentivos diretos.”
Do lado da indústria, Pedro Santos assegura que a resposta tem sido contínua. “A Reynaers, desde 1965, trabalha para disponibilizar as mais eficientes e económicas soluções para o mercado global. Diariamente desenvolve, melhora e testa todos os seus sistemas para garantir que são referência de desempenho nos vários requisitos críticos aplicáveis. Certificamos todas as soluções com marcas de sustentabilidade e caraterização precisa dos desempenhos, fomentando sempre a melhor relação custo/benefício.”
Por fim, sobre a participação do setor nos processos de normalização e definição de políticas públicas, reconhece que o envolvimento ainda é limitado: “sendo este trabalho de índole voluntária, por vezes é difícil cativar um maior quórum técnico, algo que espero que melhore progressivamente”.
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